terça-feira, 20 de março de 2012

OFICINA SOBRE DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

Introdução A existência coletiva é repleta de conflitos, isso não é nem bom nem mau por natureza, mas um aspecto da existência social. Para compor soluções a tais conflitos, os indivíduos estabelecem lideranças representativas de seus interesses, e que atuam no sentido de organizar a realidade em que estão inseridos. Essa organização tem uma ciência que a estuda: a política. Assim sendo, do ponto de vista histórico a comunidade humana desenvolveu diferentes formas de organização política. Mas não há uma sequência rigidamente estabelecida e nem se pode ver esses modelos sob a perspectiva de uma evolução; logo, para fins didáticos é mais acertado estabelecer um princípio do que uma ordem discricionária. Portanto, as diferentes formas de organização política são os mecanismos pelos quais os homens buscam dimensionar e exercer as relações de poder sobre os demais membros da coletividade. Nesse sentido, líder do grupo, patriarca, rei, presidente, primeiro ministro, chanceler, potentado, imperador, premier, são ''invólucros'' para o arbitrário exercício da dominação, por meio do poder político. Essa questão culminou com o estabelecimento de uma figura: o Estado, em quem se concentra o poder político. Na sociedade ocidental os grupos e partidos políticos, pelas eleições se revezam no uso e exercício do poder de mando. Tal poder é exercido pela elaboração de leis, enquanto instrumentos de pacificação social. As leis idealmente são o resultado da busca de equilíbrio entre os direitos e deveres. Criticamente, as leis são os instrumentos dos dominadores para manter inalterada a configuração social. O conjunto de leis de um determinado Estado é o que se chama de Direito Positivo. O Estado detém o monopólio da violência sobre os cidadãos (Weber). Essa questão tem um grau de complexidade muito maior do que esse texto introdutório pode oferecer, contudo, é pela noção das relações entre o Estado e os cidadãos considerados coletiva ou individualmente, que surgem os direitos Humanos e sua importância para a sociedade. Direitos Humanos O que são os direitos humanos? São direitos decorrentes da dignidade atribuída ao ser humano. Os direitos humanos surgem dos princípios: universalidade e igualdade da raça humana, que surgiu a partir de Jesus Cristo. De fato, é difícil falar em igualdade entre os homens: egípcios, hebreus, gregos, romanos e todas as demais sociedades moldaram suas relações pelo modelo elitista de suas próprias sociedades. Sócrates, Platão, Aristóteles exemplificam no seu pensamento as concepções de sua época que, muito embora avançadas, não tratavam do problema da exclusão entre os homens. Por outro lado, atribuir à Revolução Francesa o ideário formativo dos direitos humanos é um pouco simplista; uma vez que mesmo na Idade Média, ocorreram situações em que se colocavam frente a frente o discurso da dominação e o dos dominados. A Reforma Protestante teve aspectos emancipatórios socialmente. A base dos direitos humanos do ponto de vista filosófico é a dignidade inerente a todos os seres humanos: teísta, agnóstica ou ateísta. Na perspectiva legal são os dispositivos legais consignados nos códigos e nos tratados de que o Brasil é signatário. Retornando à pergunta, se pode dizer com FEINBERG (1974: 128) que: "Definirei "direitos humanos" como sendo direitos genericamente morais, de um tipo fundamentalmente importante, igual para todos os seres humanos, incondicional e inalteravelmente''. Novamente os princípios de universalidade e igualdade. Por outro lado, há em parte da população certa reserva, quando não, uma contrariedade aberta com a questão dos direitos que dizem proteger os bandidos. Tal afirmativa nasce da falta de compreensão sobre os deveres do Estado para com todos os seus membros indistintamente. Portanto, mesmo havendo em algumas ocasiões um mau uso dos direitos humanos, não há o que justifique sua supressão. Se com eles já há dificuldades a serem sanadas sem eles é muito pior. As são menores do que deixar o povo ao arbítrio de governantes cujo compromisso é com o capital em detrimento do trabalho, com a fidelidade atrelada às classes dominantes em prejuízo das massas desfavorecidas. Assim, não há como se pensar a vida coletiva gerida por um ente fictício chamado Estado, sem um sistema de gerenciamento e limitação do poder. Se não houver freios para a ação estatal, o que urgirá é um modelo ditatorial de relacionamento, e o Estado exercerá o poder de forma absoluta sobre os seus cidadãos. Toda a história humana está repleta de exemplos negativos desse tipo de governo. Direitos Humanos na Humanidade Para discutir os direitos humanos é preciso que se tenha em mente outro elemento da vida social: o Estado. Contra quem se exige, ou a quem se recorre para exigir a efetividade dos Direitos Humanos. Na Antiguidade, há exemplos de direitos: a) o Código de Hamurabi (século XVIII a.C. na Babilônia, atual Iraque); b) a Lei Mosaica (século XVI ou XV a.C. no Monte Sinai, atual Palestina); c) as leis gregas e romanas também eram dispositivos criadores de direitos. Neste período, não havia limitação ao poder do Estado, o indivíduo não tinha representação. Na Idade Antiga germinaram algumas ideias sobre direitos e deveres, pois nesse contexto, o Estado e a Igreja Católica Romana exerciam o controle da vida social sem limitação aos seus interesses. Na Inglaterra, a declaração Bill of Rigths de 1215 d.C. cria limitações aos poderes da monarquia inglesa. Na Europa durante a Idade Média, surgiram as condições históricas que determinaram mudanças sociais. A Revolução Francesa em 1789, com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a questão dos Direitos Humanos toma outro fôlego com a ascensão da burguesia e o desenvolvimento do liberalismo econômico. Buscava-se não apenas um Estado de Direito, mas também um Estado Social de Direitos. Com a quebra da bolsa de valores em 1929, o Ocidente experimentou uma de suas grandes crises; em 1933, no governo de F. D. Roosevelt, nasce o welfare state, ou Estado de Assistência. A partir de 1941, são publicados documentos relevantes para a questão dos direitos humanos: 1. As Quatro Liberdades: a) palavra e expressão; b) culto; c) não passar necessidade e d) não sentir medo. 2. Declaração das Nações Unidas (Washington, 1942); 3. As conclusões da Conferência de Moscou (1943); 4. As conclusões da Conferência de Dumbarton Oaks (1944); 5. As conclusões da Conferência de São Francisco (1945); Em 1948 a Assembléia Geral das Nações Unidas publicou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, como o ideal para todas as nações livres. Na atualidade, além dos direitos sociais e econômicos, há também os chamados de Direitos de Terceira Geração, e de solidariedade. São eles: a) direito ao desenvolvimento; b) direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; c) direito à paz; d) direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade. Direitos Humanos no Brasil No Brasil, a história dos direitos humanos relaciona-se diretamente com a história das Constituições. Considerando-se que a exigibilidade de tais direitos se faz em relação ao Estado. E este é limitado pela Constituição vigente em seu tempo. Primeiramente é preciso compreender o que é uma Constituição. O Brasil é um Estado Democrático de Direito, regido por leis que dimensionam as interações sociais e pacificam os conflitos de interesses, que são naturais na vida dos diversos subgrupos sociais que formam a coletividade. O artigo 59 da Constituição de 1988 estabelece a hierarquia das leis: 1. Constituição Federal; 2. Leis Complementares; 3. Leis Ordinárias; 4. Leis Delegadas; 5. Medidas Provisórias; 6. Decretos Legislativos; 7. Resoluções. A Constituição Federal é onde estão fixados todos os limites de atuação do Estado brasileiro, sobre os brasileiros e estrangeiros aqui residentes. As Constituições brasileiras são divididas em dois tipos, conforme sua origem: 1. Promulgada – elaborada pelo povo, via representantes, os constituintes; 2. Outorgada – elaborada pela classe dominante em regimes de exceção. Constituições Brasileiras 1. 1824 – outorgada (1ª do Brasil) 2. 1891 – promulgada (1ª da República brasileira) 3. 1934 – promulgada (Constituição Polaca, a mais liberal) 4. 1937 – outorgada (vigência do Estado-Novo) 5. 1946 – promulgada (pós-guerra) 6. 1967 – outorgada (ditadura militar) 7. 1988 – promulgada (Constituição Cidadã) As principais finalidades das Constituições são: a) organizar o Estado; b) limitar os poderes do Estado em face das pessoas e dos grupos; c) definir as diretrizes da vida econômica e social. O Brasil foi “Colônia de Exploração” portuguesa e o desenvolvimento desse processo de exploração e submissão incondicionais, formaram uma mentalidade própria muito complicada na área política, cujos reflexos temos até hoje nas relações patrimonialistas. Os primeiros que chegaram degredados, condenados às galés, membros da baixa aristocracia falida vieram efetivar a posse nas mãos da coroa portuguesa. As Constituições brasileiras trataram de diferentes formas os direitos humanos, conforme se entendia em cada época. A Carta Imperial de 1824 admitia que os direitos civis e políticos baseavam-se na liberdade, na segurança individual e na propriedade privada. A Carta Republicana de 1891 instituiu o voto para presidente, vice-presidente, senadores e deputados. Religiosos, analfabetos e mendigos não possuíam tal direito. Contudo, o critério de renda mínima para o exercício dos direitos políticos foi abolido. Após a Revolução de 1930, não se valorizou os direitos humanos; o Congresso Nacional foi dissolvido, a magistratura perdeu suas garantias, suspenderam-se as garantias constitucionais, e o habeas corpus só teve valor para os acusados de crimes comuns. Essa situação levou a chamada Revolução Constitucionalista de 1932 no estado de São Paulo. A Constituição de 1934, a Polaca, a mais liberal que o Brasil teve até então, estabeleceu: a) que a lei não ferisse o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e nem a coisa julgada; b) proibição à prisão por dívidas, multas ou custas; c) fim da prisão perpétua; d) criação da assistência jurídica gratuita para os pobres; e) obrigatoriedade de comunicação imediata em caso de prisão; f) proteção social do trabalhador; g) não diferenciação salarial no mesmo trabalho, em função de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; h) a proibição do trabalho para menores de 14 anos de idade, o trabalho noturno para os menores de 16 anos e o trabalho insalubre para menores de 18 anos e para mulheres; i) a estipulação de um salário mínimo que satisfizesse as necessidades do trabalhador; j) o repouso semanal remunerado e a limitação de trabalho a oito horas diárias que só poderiam ser prorrogadas nos casos legalmente previstos, além de outras garantias sociais para o trabalhador. Durante o governo Vargas ocorreu outro golpe dentro do golpe, o chamado Estado Novo, que foi o responsável pelo recrudescimento da política no Brasil. Foram criados os Tribunais de exceção, com competência para julgar os crimes contra a segurança do Estado. Nesse período foi declarado estado de emergência no Brasil, foram suspensas as liberdades de todos os brasileiros: a) a liberdade de ir e vir; b) o sigilo das correspondências, que eram violadas e censuradas, e dos outros meios de comunicação, orais ou escritos; c) a liberdade de reunião, entre outras medidas. O Estado Novo durou de 1937-1945 e foi um período em que os Direitos Humanos praticamente não existiram no País. A Carta de 1946 foi um passo em direção a redemocratização e trouxe de volta os direitos e as garantias individuais, e também direitos sociais. Inclusive com estes acréscimos: a) proibiu-se o trabalho noturno para os menores de 18 anos; b) estabeleceu-se o direito de greve; c) estipulou-se ainda um salário mínimo capaz de atender as necessidades do trabalhador e de sua família, e outros direitos previstos. Esta Carta defendeu os brasileiros por aproximadamente 18 anos, quando os Direitos Humanos sofreram um novo revés: o Golpe Militar de 1964. Como em qualquer modelo ditatorial, o regime militar brasileiro 1964-1985 não fugiu à regra: inúmeros Atos Institucionais, medidas impostas pelo Poder Executivo, solaparam as bases democráticas duramente conquistadas entre 1946 e 1964. Dentre eles, o último Ato Institucional número 5, o AI 5, de 12 de dezembro de 1968, que colocou em recesso o Congresso Nacional e determinou a supressão das instituições democráticas no Brasil. A Carta de 1967 foi uma reversão nas conquistas, pois: a) suprimiu a liberdade de publicação; b) tutelou o direito de reunião; c) estabeleceu foro militar para os civis que transgredissem a Lei de Segurança Nacional e manteve as punições e arbitrariedades dos Atos anteriores. A Constituição de 1967 estabelecia o respeito à integridade física e moral dos detentos e presidiários; na prática, porém (...). Entre outras “pérolas”, a Carta de 67: a) reduziu a idade mínima de permissão para o trabalho para 12 anos; b) restringiu o direito de greve; c) acabou com a proibição de diferença de salários, por motivos de idade e de nacionalidade; d) restringiu a liberdade de opinião e de expressão; recuou no campo dos chamados direitos sociais. Em outubro de 1969, a linha-dura militar assumiu as rédeas políticas; a Carta de 1967 deixou de vigorar, para dar lugar a uma situação de comoção político social no Brasil: o período de maior violência ocorreu entre 1968 e 1974. O AI-5 restabeleceu os poderes discricionários do presidente, frutos do AI-2, e aumentou as arbitrariedades dando ao Estado a prerrogativa de confiscar bens, suspendendo o habeas corpus nos crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular. Durante o tempo em que vigorou o AI-5, o Brasil sofreu inúmeras arbitrariedades e corrupções. As torturas e os assassinatos políticos estavam na ordem do dia; a imprensa amarrada aos dispositivos do Ato. Esta situação durou até 1978 quando caiu o AI 5. No ano de 1979 veio a anistia política. Como nos demais países latino-americanos que foram submetidos às ditaduras militares, a anistia favoreceu na prática apenas aos que cometeram os inúmeros crimes contra os cidadãos em nome do Estado. A Carta de 1988, a Constituição Cidadã, foi elaborada com vistas à condução do brasileiro ao status de cidadão. É uma Carta Programática está alicerçada: a) na inviolabilidade da dignidade humana; b) na inviolabilidade da liberdade; b) na inviolabilidade do direito à vida; c) na inviolabilidade da segurança; d) na inviolabilidade da igualdade. A aplicabilidade desses princípios é uma batalha constante no Brasil. O artigo 5º da Constituição de 1988 é uma proposta de respeito à dignidade da pessoa humana, de forma ampla. O Brasil é signatário de inúmeros tratados sobre direitos humanos, na ONU, OEA, Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a Convenção Contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes; a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos. Além disso, conta com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Câmara dos Deputados, a CDHM. No que respeita às ações práticas da CDHM, têm-se: a criação do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa, a criação da Rede Parlamentar Nacional de Direitos Humanos, e a realização do Encontro Nacional de Direitos Humanos. Sintetizando, direitos humanos são aqueles sem os quais o indivíduo não consegue viver com qualidade: a) Direito à vida; b) Direito à alimentação; c) Direito à saúde; d) Direito à moradia; e) Direito à educação; f) Direito ao afeto e à livre expressão da sexualidade. Cidadania A palavra “cidadania” se origina do vocábulo latino civitas, que significa “cidade”. O conceito de cidadania, enquanto função ativa dos membros de uma cidade, e se refere à participação do indivíduo na vida coletiva. A expressão Civita, surge mais claramente na Roma Antiga como forma de indicar se determinada pessoa possuía ou não direitos a serem exercidos na cidade, bem como a forma pela qual deveria fazê-lo. Conforme Dallari (1998, p.14): “A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”. Conforme, Marshall (1967) a cidadania se consolida com Direitos Humanos, são eles: a) Direitos Civis ou Individuais (século XVIII): que asseguram as liberdades do indivíduo contra a intervenção do Estado: direito à vida; direito à liberdade de ir e vir; direito à propriedade privada; à palavra e à autonomia de consciência; de associar-se e organizar-se; de inviolabilidade da correspondência e do lar; de acesso à justiça; de ser tratado com igualdade (princípio da isonomia) diante das leis. b) Direitos Políticos (século XIX): asseguram a possibilidade da participação do indivíduo no exercício do poder político. Direito de votar e de ser votado; de se organizar em agremiações ou partidos políticos; de fazer demonstrações políticas. c) Direitos Sociais (século XX): o direito à vida (direitos da mãe, direitos da infância, direito das famílias numerosas); direito à igualdade do homem e da mulher; direito a uma educação digna do homem; direito de imigração e de emigração; direito de livre escolha para aderir às diversas associações econômicas, políticas e culturais. São esses direitos que garantem a participação no patrimônio material e espiritual de um povo. Bibliografia COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 3a edição ver. e ampl. São Paulo. Moderna, 2005. DALLARI, D. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo. Moderna, 1998. LAKATOS, E. M. e MARCONI, M. A. (colaboradora). Sociologia Geral. 6a ed. rev. e ampl. São Paulo. Atlas, 1990. HERKENHOFF, J. B. Direito e Utopia. 3ª edição rev. e atual. Porto Alegre. Livraria do Advogado editora, 1999. MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Tradução Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1967. Site consultado http://www.dhnet.org.br/

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